Dr.ª Deise Arantes Pires
Endocrinologista Pediatra
Aspectos Éticos da Endocrinologia Pediátrica
A sociedade atual promove comportamentos que incentivam manipulações do corpo com finalidade de atender padrões estéticos definidos pela cultura vigente e divulgados pela mídia.
Não se têm realizado reflexões de que o corpo físico faz parte da natureza e que, tal como o meio ambiente, não fica impune ao sofrer tantas intervenções, algumas vezes abusivas.
A medicina acompanha essas demandas e se compromete, disponibilizando cirurgias estéticas, implantes de próteses, procedimentos cosméticos, reposições hormonais, práticas antienvelhecimento, além de intervenções sobre o corpo visando alcançar elevadas performances atléticas.
Neste contexto, a endocrinologia pediátrica é recrutada no tratamento de Obesidade, Baixa Estatura, atrasos e precocidades sexuais, em desordens de definição do sexo (DDS), dentre outras situações.
Mais do que nunca, o médico deve estar consciente de que há dificuldade em distinguir o que é considerado doença e as situações limítrofes em que um amplo questionamento e reflexão se faz necessário para a decisão de se recomendar algum tratamento ou intervenção.
Em se tratando de criança ou adolescente, devemos considerar também que o fato de o indivíduo ser muito diferente de seu grupo social ou familiar pode trazer sofrimento e merece nossa especial atenção, além de suporte psicológico fornecido inicialmente por nós mesmos, pediatras e endocrinologistas pediátricos — que estamos em contato direto com o paciente — e, em alguns casos, por profissionais de outras categorias.
A questão que se coloca é: até que ponto estaremos corretos ao propor algum tratamento médico, seja ele medicamentoso ou cirúrgico, quando estamos no limite da interface entre a doença e aquelas situações em que a indicação do tratamento não é absolutamente formal?
Entende-se por tratamento não absolutamente formal aquele que não implica em dano à saúde da pessoa, mas a sua não realização tem o potencial de gerar sofrimento ao paciente, por vezes, grave. Exemplos típicos dessa situação são a intervenção cirúrgica no tratamento das DDS e da Obesidade, e a indicação de tratamento hormonal para Baixa Estatura e Puberdade Precoce.
Deverão ser considerados vários pontos para definir a tomada de decisão:
- A segurança do tratamento;
- O nível de sofrimento da criança;
- O contexto social e familiar;
- O custo / benefício;
- A aceitação pelo consenso da comunidade científica;
- A opinião da criança nas tomadas de decisão.
A avaliação do pediatra e do endocrinologista pediátrico deve contemplar conhecimento, bom senso e, acima de tudo, compromisso com a manutenção da saúde física e psicológica daquele paciente em particular.
Devemos nos manter sempre em nossa posição de médicos, conduzindo a investigação com o objetivo de encontrar ou descartar uma possível doença. Não devemos tomar posições precipitadas em um primeiro atendimento. A devolução de nossa opinião deve ser clara e objetiva, em linguagem coloquial e, em casos específicos, a criança não deve participar da conversa inicial com a família.
Devemos, também, esclarecer às famílias quando o tratamento proposto não for imperativo, como, por exemplo, nos casos de Baixa Estatura Idiopática ou Puberdade Adiantada.
Na questão referente à abordagem da Obesidade, também devemos considerar os fatores genéticos e socioculturais envolvidos. A proposta de perda ponderal deve ser factível para que o paciente não perca a motivação e agrave seu estado. Toda a família tem que ser recrutada, deve estar comprometida com o tratamento e motivada a adquirir ou reformular seus hábitos para ajudar sua criança.
A questão que se tem a discutir é: qual seria o ponto médio do qual, aquém dele, a intervenção seria negligência do médico e, além dele, estaríamos atendendo a demandas sociais ou familiares que comprometeriam o discernimento médico e nos afastaria de nossa função de tratar pessoas com o objetivo de promover saúde e melhor qualidade de vida?